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Percalços da advocacia

24.01.23.

Primeiro dia do ano que me atrevo a vestir um terno. Sem gravata, pois ainda não tive coragem para tanto. Sol a pino. Um calor incandescente capaz de fazer ensopar minha camisa repetidas vezes. Pela manhã, dobrei a dose de vitamina C antevendo a sensação de calor e frio ao sair e entrar em ambientes com ar-condicionado gelando.

Nesse clima de secae molha adentrei em um determinado cartório cível, cujo número da Vara irei propositadamente omitir para não sofre retaliações.

O clima no cartório era de montanha, agradabilíssimo. Balcão vazio, esperei alguns bons segundos e comecei a fazer contato visual com as pessoas esparsas que estavam ao alcance da minha visão, embaçada devido à falta dos óculos.

Ao longe, na minha direção notei que vinha um vestido branco florido, até o joelho, protegido por uma jaqueta jeans. Mais perto percebi uma mulher esbranquiçada, cujas cores das flores do vestido puxadas para o amarelo faziam ton sir ton com o seu cabelo.
De óculos, ela rugiu: – pois não!

Por alguns segundos eu pensei em travar com ela um diálogo entre os dentes. Imaginei como seria aquela dona do outro lado do vidro falando truncado comigo como fôssemos ventríloquos de nós mesmos.

Logo desisti da ideia por entender que seria antiproducente, eu acho.

Reclamei do andamento do processo, ou melhor dizendo, da falta de andamento do processo, parado desde outubro do ano passado. A reclamação foi recebida com uma intrigante insatisfação por parte da servidora que disparou uma série de desculpas manjadas que quase me convenceu da minha impertinência em reclamar.

A dona ficou extremamente irritada e continuou vociferando. Nada foi capaz de fazer com que seus ânimos se amainassem até aquele momento. Ao contrário, quanto mais ela falava mais gesticulava e mais nervosa ainda ficava. Parecia que eu estava sendo completamente fastidioso em reclamar da morosidade. No meio de toda essa catarse, em um rompante, a serventuária pegou o celular e pousou sobre a mesa com a delicadeza de um elefante. O impacto do aparelho na madeira causou um estrondo capaz de chamar a atenção de seus colegas. A porrada foi tão grande que a tela do aparelho acendeu revelando uma figura no seu fundo de tela.

Meus olhos capturaram instantaneamente a imagem que reluzia do celular da serventuária. Foi quando todo curso da história mudou.
Disse eu a ela, ignorando o seu ininterrupto e longo esbravejo: – sabe que noutro dia uma cliente me perguntou porque o processo dela não tem a mesma velocidade que os processos do Alexandre de Moares?

A frase que eu pronunciei tirou a serventuário por completo do transe que se encontrava. Ela calou-se.

Apostei todas as minhas fichas, depois da informação codificada que tirei do fundo de tela de seu celular: a bandeira do Brasil. E deu certo. A irritação deu lugar a atenção e cada vez que eu disparava um adjetivo para o Ministro do STF Alexandre de Moraes ela regozijava. Em dado momento parecíamos parceiros de frescobol. Ela manda de lá e eu mandava de cá. Sempre malhando o STF personificando da figura de sua excelência o Ministro Alexandre de Moraes.

O ápice da nossa agora empolgante conversa foi quando eu desavisadamente soltei a expressão “cabeça de ovo”. Os olhos da dona brilharam de emoção!

Ao final, meu processo tal qual o jogo de ludo, andou dez casas…

O Ministro que me perdoe, mas em alguns casos é melhor ser feliz do que ter razão.

P.S.: o texto é uma obra de ficção.

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